A Folha de S. Paulo foi a primeira a ter um cargo de
ombudsman no país mas atualmente, não é a única. O jornal O Povo, de Fortaleza
tem o cargo desde 1996 e atualmente está em seu 13º ombudsman: Erivaldo
Carvalho.
O MídiaVisão teve uma conversa com ele sobre a situação do
ombudsman no país, entre outros assuntos.
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Erivaldo Carvalho, ombudsman d'O Povo - Foto: Foto: Evilázio Bezerra |
MídiaVisão:
Como é a interação com os leitores? A internet facilita ou dificulta o
trabalho?
Erivaldo Carvalho: A interação dá-se,
principalmente, por telefone, via internet e, esporadicamente, através de
visitas de leitores à sede do jornal. Quando esta última hipótese acontece,
geralmente é algum documento ou material escrito que leitores querem me
repassar, para eu encaminhar à Redação, ou para abrir algum canal de diálogo
com uma área de cobertura específica. Pode ser, ainda, uma pauta que, aos olhos
daquele leitor ou grupo, não está condizente com o que eles consideram
razoável. Por regra, são matérias com supostos problemas de apuração ou foco,
por exemplo, que suscitem algum tipo de prejuízo a quem está reclamando. Também
sou abordado em rodas de conversa fora da empresa ou em eventos públicos que
tenha algum tipo de relação com a imprensa. Mas estes casos são muitos raros,
já que, no exercício do mandato, tenho procurado circular pouco.
A segunda
parte da pergunta já está, parcialmente, respondida. Mas reforço que, assim
como qualquer outra atividade jornalística, a função do ombudsman é impensável,
nos dias de hoje, sem a internet. Ela serve para tudo. Desde a possibilidade de
checar uma informação, cruzando-a ou fazendo comparativos, ao acompanhamento de
determinadas coberturas no online. Somos um grupo que controla um jornal,
rádios, TV e portal. Passei por estas plataformas, antes de assumir o mandato.
Procuro, com a experiência adquirida em cada uma delas, ter uma visão
panorâmica desses conteúdos. Por exemplo: o que sai hoje no portal será
comparado com o impresso amanhã e com o que vai para a rádio e TV. Por que
estou dizendo tudo isso? Porque tudo isso pode ser acompanhado pela internet.
Tudo está lá.
Um
terceiro aspecto, além da convergência citada acima, é a interação e a
interatividade com os leitores/internautas/ouvintes/telespectadores,
possibilitadas pela internet. Sem mencionar que recebo e-mails do público em
geral e dialogo com os setores do grupo, principalmente a Redação, através da
grande rede.
MídiaVisão:
Qual é o maior desafio da profissão?
Erivaldo Carvalho: Ombudsman não é profissão. É
função. De maneira geral, e creio que essa realidade não é restrita ao Ceará,
as redações estão passando por uma forte reestruturação. Todos estamos numa
travessia, que ninguém sabe, exatamente, onde vai dar. Os próprios cursos de
jornalismo, de alguma forma, refletem isso. O fato é que as empresas estão
diversificando a produção de conteúdos por um lado, e enxugando processos, por
outro. Hoje, temos uma drástica redução da faixa etária nas redações e o
encolhimento do jornal. O dado não é científico. Mas percebo sinais de queda na
qualidade e no tamanho das coberturas. E tem a internet, que se por um lado
facilita a vida de qualquer jornalista (até do ombudsman), por outro esvazia as
demais plataformas. Está em curso um silencioso debate sobre como monetarizar
esse novo momento. No meio de tudo isso há o público, que banca as contas e que
jamais posso perder de vista. O maior desafio, então, é esse: tentar convencer a
todos quantos fazem o grupo dos riscos inerentes a transformações, como essas
citadas acima. Mudanças a curto prazo podem trazer prejuízos irreversíveis no
futuro. Para as empresas e o jornalismo.
MídiaVisão:
O que você sente que conseguiu mudar no Povo? Quais tem sido seus ganhos?
Erivaldo
Carvalho: Há mudanças de vários níveis. Lembro-me de um colega de Redação (hoje
aposentado) que quando estava ombudsman, sempre conversava comigo. Uma vez lhe
falei que achava muito curioso quando o jornal publicava, para avisar de alguma
mudança na edição, os famosos “Avisos aos Leitores”. Eu lhe perguntava: o
restante do jornal é para quem? Desde então, quando se faz necessário, temos
apenas o “Aviso”. Pode ser algo assim, bem simples, mas de muita importância,
porque diz respeito ao conjunto de controle de qualidade que todo veículo de
imprensa deve ter. Algumas mudanças nem é questão de estilo de quem escreveu ou
de capricho do ombudsman. É, basicamente, a diferença entre o certo e o errado.
Aí não há negociação. Por exemplo: não dá para se publicar notícias policiais
sem nenhuma distinção do que seja roubo, furto e assalto. Cada crime carrega um
conceito bem distinto, com dimensões e implicações bem aplicáveis; não dá,
também, para se dizer que há um cruzamento entre duas avenidas, quando lá é um
entroncamento. É muito diferente.
Essas são
mudanças de comportamento e visão que procuro colocar para a Redação. Quais
sejam? Simples: chamar as coisas pelo nome certo. Quando isso não acontece,
todo o resto estará comprometido. Se um repórter ou editor não sabe a diferença
básica entre elementos que acabei de citar, o que ele faz em um jornal
escrevendo ou editando sobre o assunto?
Há
mudanças mais sofisticadas, como numa outrora penosa cobertura na área de
veículos, onde cada repórter parecia ter uma quase patológica necessidade de
elogiar todo e qualquer modelo de carro que as montadoras lançavam. Só porque
foi convidado para o evento, com passagens e hotel pagos. Aí vem aquele dilema.
“Fui convidado, possou ou devo criticar”? Insisti muito nesse ponto, inclusive
nas colunas externas, publicadas aos domingos. Tenho percebido evolução.
Membros da Redação já me admitiram que meus puxões de orelha colaboraram.
Meus
ganhos tem sido uma visão mais integrada do processo de produção da notícia.
Hoje, vendo mais a floresta do que a árvore, valorizo aspectos da cobertura que
antes tinha um peso diferente na minha cabeça. Antes de assumir o mandato de
ombudsman tinha sido repórter, editor adjunto e colunista de política e, na
sequência, editor-executivo do portal O POVO Online. Nesse ínterim, mediei um
programa de debates em uma das rádios do grupo e fui comentarista na TV, também
de política. Estar ombudsman me ajudou a integrar essas linguagens,
canalizando-as para o ponto de vista do público.
MídiaVisão:
Qual a situação do ombudsman no Brasil em relação aos outros países?
Erivaldo
Carvalho: Não tenho uma resposta pronta e acabada para essa questão. Por vários
fatores. Entre eles, o fato de a imprensa, aqui e lá fora, está passando por
grandes transformações, na forma e no conteúdo, e de haver muitas distorções.
Até pelas barreiras da língua, o jornalista mediano brasileiro acompanha muito
aquém o panorama profissional no Exterior. Vejamos alguns dados que mostram
isso.
Países
asiáticos detêm mais de dois terços dos 100 maiores jornais do mundo. Títulos
dos quais nós pouco ouvimos falar. Os três maiorais são japoneses. O Yomiuri
Shimbun imprime dez milhões de exemplares. O segundo colocado (Asahi Shimbun),
oito milhões e o terceiro, (Mainichi Shimbun), uns quatro milhões. Ou seja, os
“Shimbun” somam uns 22 milhões de exemplares. Para efeitos de comparação, a
circulação do Wall Street Journal é de 2 milhões de exemplares e o USA Today,
uns 2,6 milhões. Como temos parâmetros muito diferentes de escala, cultura,
taxas de leitura e da compreensão do que seja um ombudsman, por exemplo,
qualquer comparação poderá ficar comprometida.
Em todo o
caso, estima-se que cerca de 200 jornais em todo o mundo, dos dezenas de
milhares, mantenha a figura do ombudsman. Mas esse perfil munda. Há organizações
que acompanham o trabalho na imprensa em nível mundial, mas geralmente focam em
outros itens, como liberdade de expressão e violências cometidas contra
profissionais da imprensa. Mas essa é outra discussão. Ter ou não ter ombudsman
(e de que tipo) tem muito a ver com o formato de jornalismo que se pratica em
cada país e até mesmo com os ganhos imediatos que as empresas pensam em obter,
ao manter um posto do tipo. Veja que no Brasil, depois que o jornal Folha de
S.Paulo instalou o ombudsman, em 1989, vários outros diários lançaram a ideia
(O Dia, O POVO, Correio da Paraíba e Diário do Povo). Vinte e cinco anos
depois, só os jornais paulistano e cearense os mantém.
MídiaVisão:
O senhor tem liberdade para tratar sobre qualquer tema em sua coluna?
Erivaldo
Carvalho: Sim. Estou caminhando para a reta final do mandato. Até hoje, não
recebi qualquer tipo de sinal, direto ou indireto, por qualquer meio, de que
meu trabalho esteja ameaçado ou que alguém tenha tentado impedir. Até porque
isso não pode acontecer. Tenho liberdade de abordar qualquer assunto. Do
excesso de erros que cometemos, em todos os níveis, a temas que dizem respeito,
diretamente, aos interesses maiores da empresa. Pode-se dizer que a figura do
ombudsman no Grupo de Comunicação O POVO pode até abrir opiniões, mas é
respeitada. Até pelos anos que já se passaram (existe desde 1994). Tenho
garantias para o exercício do mandato. Tenho autonomia plena. A coluna que
escrevo vai direto para a página. Não pode ser alterada ou editada sob hipótese
alguma, por ninguém. Em termos executivos, não tenho subordinados, mas também
não sou subordinado a ninguém dentro da empresa. Se, por ventura, eu cometer
erros de qualquer natureza, certamente terei de responder por eles. Mas a
publicação é garantida. Há situações, claro, em que a Redação não compreende ou
reage negativamente ao meu trabalho. Tanto na coluna externa quanto na
avaliação da edição, que faço cotidianamente, em relatórios internos. Mas
aspectos assim fazem parte da natureza do trabalho. Está no preço de ser
ombudsman. É do jogo.