Para
quem é da área de comunicação essa postagem pode parecer um desperdício, mas ao
longo desses meses, quando perguntado sobre o tema do meu Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC), a reação mais comum à resposta “ombudsman” foi uma pergunta que
eu logo cansaria de tantas vezes responder: “O que é isso?”.
O
ombudsman foi criado na Suécia, pelo
Rei Carlos XII, em 1713, e consistia em uma espécie de representante contratado
para vigiar os funcionários na ausência de sua alteza. Seu papel era fiscalizar
a atuação de arrecadadores de impostos, juízes e outros dirigentes. Outras
leituras também indicam que a origem do cargo pode ter surgido na Grécia
Antiga, aproximadamente 400 a.C., com os Euthynes, que exerciam a função de
vigilantes dos funcionários do Estado. Ou ainda, na China, onde exerciam o
papel de ouvidores chamados de ouvidores conhecidos como Yan.
Desde sua origem, o ombudsman
está imerso na esfera pública como representante dos direitos de cidadania,
exercendo a função de mediador na administração pública, na iniciativa privada.
A reivindicação dos direitos
individuais da burguesia na Revolução Francesa abriu os caminhos democráticos
para a origem do ombudsman, que de
fato, pode ser considerado como o primeiro “defensor do povo”.
Ao
longo dos anos, o cargo passou por transformações e ganhou novas atribuições. Com
o mesmo objetivo de representar a sociedade na esfera pública foram criados no
país ombudsman para defender
consumidores, regular a igualdade de oportunidades, proteger as crianças,
monitorar os direitos dos deficientes, atuar contra a discriminação étnica e
sexual, e por fim, o ombudsman de
imprensa.
Defensor dos leitores
No
jornalismo impresso, o ombudsman é um
fiscalizador que intercede pelo leitor junto à redação. Ele recebe os
apontamentos de quem lê, analisa e divulga sua posição sobre os erros cometidos
pelo jornal.
Remontam de 1913, as discussões nos
jornais para a criação de um profissional para controlar a qualidade da
imprensa e questionar aspectos relacionados à sua ética. Na época, Ralph
Pulitzer, filho de Joseph Pulitzer,
implantou no New York World um
sistema para apurar a exatidão e veracidade das notícias, chamado de Bureau os Accuracyand Fair Play.
Porém
foi nos anos 60, que o cargo foi consolidado na imprensa com a criação do
ombudsman nos jornais Lousville Courier
Journal e Louisville Times. O primeiro
“defensor dos leitores” era o jornalista John Herchenroeder, pioneiro na
responsabilidade de receber as críticas dos diários.
Nesse
período, a imprensa americana passou por uma fase de desconfiança, definido por
eles como credibility gap (vácuo de
credibilidade). A crise obrigou os meios de comunicação a adotar estratégias
para não perder os leitores. O pioneiro nos EUA em implantar o ombudsman de
imprensa, foi o jornal Washington Post.
O
modelo americano de ombudsman buscava
a transparência e a cobrança ao jornalista, expondo seus erros e colocando-o sem
análise para o público leitor. Neste sentido, o Post foi o pioneiro em unir a
crítica interna e ainda escrever colunas para discutir o processo produtivo do
jornalismo.
Ombudsman verde e amarelo
A
criação do cargo em terras brasileiras se daria apenas em 1989, no jornal Folha
de S. Paulo. Neste período, os brasileiros respiravam ares de redemocratização,
e comemoravam a promulgação da Constituição de 1988,
que ampliava os direitos civis dos cidadãos e incentivava a população a
participar das decisões que pudessem mudar o destino da nação. Nesse contexto, a Folha de S. Paulo teve a ideia de
transparecer uma imagem de jornal democrático, pluralista de “rabo preso com o
leitor”.
Portanto,
a criação do cargo do ombudsman, estava
intimamente ligada ao marketing e fazia parte do projeto editorial criado pelo
jornal para impulsionar as vendas e transmitir a mensagem de que a Folha de S. Paulo era o jornal das
“Diretas Já”: transparente, apartidário e plural.
O
pioneiro no cargo na Folha e na imprensa brasileira foi o jornalista Caio Túlio
Costa. De 24 de setembro de 1989 a 22 de setembro de 1991, ele enfrentou o
desafio de criticar a redação do jornal e contribuiu para sistematizar a função
e deu consistência para as principais atividades que seriam desenvolvidas no
cargo.
Caio Túlio Costa. Foto: caiotulio.com |
A tarefa do ombudsman da Folha de S. Paulo consiste no trabalho de questionamento ético, análise de mídia e emissão de memorandos de comunicação de erros informativos e ortográficos, tudo aliado ao seu compromisso com o público – o ombudsman recebia diariamente as reclamações dos leitores que enviavam cartas, iam à redação ou ligavam para reclamar do conteúdo do jornal.
Em uma coluna escrita aos domingos, os 11 profissionais que passaram pelo cargo, em 24 anos, tiveram por objetivo retratar os erros do jornal ao leitor e criticar a produção jornalística da Folha de S. Paulo e, em alguns casos, também dos órgãos de imprensa em geral.
O mandato do cargo é de um ano, com possibilidade de renovação para mais um, que com o passar do tempo foi expandido para duas renovações, ou seja, três anos. Por isso, o ombudsman não pode ser demitido durante seu mandato, além de ter estabilidade garantida por mais seis meses na empresa após sua saída do cargo.
24 anos depois
Após 24 anos, a Folha de S. Paulo continua com o trabalho de ombudsman, cargo ocupado atualmente por Suzana Singer, que está como defensora dos leitores desde 2010. Em 2013, pela primeira vez, a ombudsman renovou seu contrato entrando em seu quarto mandato.
Em todos esses anos de trabalho, o ombudsman conviveu com as mudanças tecnológicas no jornalismo que de certa maneira alteraram seu ponto de vista crítico. Ao mesmo tempo em que a internet facilitou sua interação com o público com a criação de ferramentas como email e as redes sociais, a evolução tecnológica também abriu precedentes para o aparecimento de novas tendências no jornalismo.
As mudanças obrigaram o profissional a remodelar suas opiniões e servir como um educador de mídia em uma sociedade desintermediada, em que todos são jornalistas e todos são críticos.
O panorama de crítica de mídia no Brasil ainda é tímido. O número de jornais que contam com o cargo de ombudsman no Brasil ainda é irrisório. Na iniciativa privada, apenas os jornais Folha de S. Paulo e O Povo, do Ceará implantaram o ombudsman. Já o setor público possui a experiência da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, que criou o cargo em 2009.
Esse cenário não empolga e não fomenta a crítica de mídia, se comparado à imprensa americana, que segundo a ONO (Organization of News Ombudsmen), conta com 20 profissionais associados.
Além disso, ao longo dos anos, outras plataformas de mídia tentaram implantar o cargo, mas não obtiveram êxito. Na televisão, a TV Cultura implantou o cargo inovador em 2004. Porém, em 2012, a emissora extinguiu o cargo, excluindo o ombudsman de seu quadro de funcionários. Já na internet, o cargo também chegou a ser implantado no UOL e no portal IG. Porém as experiências também não deram certo.
Resumindo, o ombudsman tem a função de fiscalizar o meio de comunicação e apontar erros, além de sugerir melhorias e conversar com leitores, internautas, ouvintes ou telespectadores, o que aumenta a credibilidade do meio de comunicação e a confiança de seu público.
Porém, mais do que isso, o ombudsman, mesmo que aparentando ser uma figura decorativa de marketing, acaba por exercer o papel de um educador de mídia, que em suas colunas dominicais, explica o funcionamento da máquina do jornalismo e todas as suas mazelas, deficiências e conflitos éticos.
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